terça-feira, 29 de maio de 2007

Intervalo , By Fernando Pessoa


Quem te disse ao ouvido esse segredo
Que raras deusas têm escutado -
Aquele amor cheio de crença e medo Que é verdadeiro só se é segredado?... Quem te disse tão cedo?
Não fui eu, que te não ousei dizê-lo. Não foi um outro, porque não sabia. Mas quem roçou da testa teu cabelo E te disse ao ouvido o que sentia? Seria alguém, seria?
Ou foi só que o sonhaste e eu te o sonhei?
Foi só qualquer ciúme meu de ti Que o supôs dito, porque o não direi, Que o supôs feito, porque o só fingi Em sonhos que nem sei?
Seja o que for, quem foi que levemente,
A teu ouvido vagamente atento,
Te falou desse amor em mim presente
Mas que não passa do meu pensamento
Que anseia e que não sente?
Foi um desejo que, sem corpo ou boca,
A teus ouvidos de eu sonhar-te disse
A frase eterna, imerecida e louca -
A que as deusas esperam da ledice
Com que o Olimpo se apouca.

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